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IN.SO.LEN.TE

Ventura e o "novo apartheid"

Lembram-se do Apartheid na África do Sul? Era um sistema de segregação racial, assente nas supostas diferenças entre "brancos" e "negros", que tinha por base a ideia de que não devia haver "misturas de raças". A maioritária população negra era considerada "inferior" e era obrigada a viver afastada, em zonas separadas geralmente rurais, sem saneamento nem condições. Havia casas de banho distintas e lugares diferentes nos transportes públicos. O Apartheid era a discriminação racial expressa na lei, e terminou em 1994.

apartheid.jpg

Joanesburgo, 1990. Foto: Joanne Rathe/Boston Globe

 

Chegámos a 2020, ano em que uma pandemia obrigou o mundo a fechar-se em casa e evitar o contacto social. Perante as preocupações sanitárias, os países vivem alarmados, preocupados com os aumentos de contágio que já acusam graves impactos económicos. Apesar disso a pandemia e o protecionismo não podem ser justificação para tudo. Temos de estar alerta e não nos deixar cair em populismos que não fazem mais do que estupidificar a política, enaltecer ódios e instrumentalizar a saúde pública para legitimar discriminações.

É isso que faz André Ventura, cujo nível de argumentação e discurso está ao nível de uma truta.

A nova proposta apresentada pelo Chega! de um plano de confinamento específico para a comunidade cigana não é apenas inconstitucional, mas obscenamente racista e xenófoba. O deputado único daquele partido enviou mesmo cartas ao CDS, Iniciativa Liberal e PSD, convocando-os a aliarem-se à proposta. Numa delas, dirigida a Rui Rio, diz:

Penso que concordará que as comunidades ciganas – ou melhor, o seu comportamento e atitudes específicas -, não caindo em generalizações de qualquer tipo, representam hoje um forte problema de segurança e saúde pública nalgumas regiões do país. 

Comentar isto é doloroso, para qualquer pessoa com capacidade de raciocínio. Primeiro fala em "comunidades ciganas", depois afirma que não quer cair em generalizações... além disso tenta implicitar a concordância de Rio, alegando um "forte problema de saúde pública nalgumas regiões do país", sem dizer quais ou dar dados das mesmas. Esta afirmação tem o rigor e validade de uma conversa de café...

O que é grave aqui, é que me parece que esta estupidez é propositada. Ventura sabe perfeitamente que nada disto faz sentido, mas também sabe que é sempre mais eficaz apelar ao ódio do que à razão. O jogador Quaresma condenou esta atitude de forma exemplar:

Sem Título.jpg

Perante a falta de argumentos, o deputado CMTV chegou ao ridículo de afirmar que 

é lamentável que um jogador da selecção nacional se envolva em política. Espero que as autoridades do futebol não deixem que isto se torne o novo normal.

Qual é a ideia? Passar um amarelo ao Quaresma porque exprimiu uma opinião publicamente? De facto dá vontade de rir...A mesma pessoa que faltou a um debate político para comentar futebol - e que ganhou popularidade precisamente a comentar futebol - vem tentar descridibilizar a opinião legítima de um cidadão, que por acaso é atleta.

Quando há falta de argumentos só resta mandá-los calar... 

Felizmente a larga maioria da sociedade portuguesa tem noção deste ridículo e do "novo apartheid cigano" a que a aprovação da proposta iria previsivelmente conduzir.

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Sofia Craveiro. Jornalista por obra do acaso. Leitora e cronista nas horas vagas.

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