Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

IN.SO.LEN.TE

“Subsidiodependência”

Um destes dias sentei-me a discutir a suposta “subsidiodependência” vigente no país. Não sei precisar a data da contenda, até porque deve ser pelo menos a centésima vez que me irrito com este assunto. À boleia da cerveja fresca, muitas vozes se insurgem contra este grande flagelo que (supostamente) continua a deixar Portugal de tanga: “Não querem é trabalhar! Ficam em casa a receber o RSI [Rendimento Social de Inserção] e nós a pagar! É uma vergonha!”.

 

3094414958058f0d11fddefaultlarge_1024.jpeg

Fotografia de Luís Forra/Lusa

Até poderia ter alguma compreensão com esta tão comum irritação, não fosse o caso de ela ter crescido devido ao papagueamento de um certo deputado populista que recentemente passou de único a multiplicado. A questão é que é muito fácil a emissão gratuita de postas de pescada quando nada se sabe sobre a vida no mar.

É errado julgar o mundo pelo que se passa no nosso bairro, pelo que não se pode descredibilizar a eficácia de uma medida de combate à pobreza, só porque até temos um par de vizinhos vigaristas. Mas vamos por partes:

1º - Vivemos no seio de um Estado social, que pressupõe o pagamento de impostos para que os mesmos possam ser redistribuídos, conforme as necessidades de cada um. Isto é quase política para totós, mas talvez importe relembrar a lógica, já que o socialismo é a ideologia que tem a esmagadora maioria dos assentos parlamentares;

2º - O RSI não tem um peso assim tão significativo nas contas públicas. Em maio deste ano, a SIC emitiu uma Grande Reportagem intitulada “O mínimo garantido”, que falava precisamente sobre o mal-afamado subsídio. Os dados apresentados revelavam o valor exato deste apoio social (189,66 euros, no máximo, por pessoa), assim como o peso do mesmo no orçamento da Segurança Social (0,9% das despesas, ou seja, uma migalha).

De acordo com a mesma fonte - que citava dados oficiais - há em Portugal 198 706 beneficiários do RSI, sendo que quase um terço são menores. O economista Carlos Farinha Rodrigues, que integrou o grupo de trabalho da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, explicou mesmo que este apoio “é atualmente uma medida para reduzir a intensidade da pobreza e não para tirar as pessoas da pobreza”. Logo, “ninguém deixa de ser pobre por estar a receber o RSI”. Também já tinha essa ideia, por acaso...

3º - A melhoria das condições de vida de pessoas carenciadas não se resolve só com dinheiro e é absolutamente erróneo pensar que sim (assim como é absurdo pensar que o valor do RSI dá para alguém ter uma vida digna). Se os apoios não forem pensados de forma mais abrangente, o ciclo de pobreza perpetua-se. Daí que a referida reportagem tenha mostrado ainda o exemplo de uma jovem de etnia cigana do Tortosendo, que contava ter conseguido continuar a sua educação devido aos requisitos impostos para atribuição do RSI (como a obrigatoriedade de frequentar formações). Daqui para a frente tem outras oportunidades que pode explorar.

Não tendo muito mais espaço para me alongar sobre assunto, queria apenas usar a minha metade da página para alertar que temos problemas bastante maiores no nosso país do que essa suposta “subsidiodependência”. Se não saímos da cepa torta, dificilmente a culpa é de do Sr. Zé António de Rabo de Peixe. A culpa é dos tubarões que dão dentadas de monstro no erário público e sobre os quais, aliás, o deputado multiplicado não costuma tecer sentenças. Pensemos nisto antes de sucumbir ao populismo.

 

 

Texto originalmente publicado no jornal Correio de Unhais

Tomem a porra da vacina!

Vamos a ver se nos entendemos: recusar a vacina é, em 99,99999% dos casos, ESTÚPIDO, ARROGANTE e EGOÍSTA. Importa estabelecer bem isto antes de avançar com explicações e dissecar cada vocábulo desta minha irritação.

Nas últimas semanas os estímulos propícios a uma revirada de olhos são de tal forma abundantes que já quase nem consigo endireitar a vista.

Arrisco dizer que não há dia em que não oiça alguém afirmar que não quer a vacina, ou então que vai tomar “mas só porque...”, caso contrário não se sujeitavam a esta tão grande provação das suas vidas.

_116367928_gettyimages-1278800490.jpeg

Foto: Getty Images

Tenho para mim que esta situação já está a passar o limite do ridículo, pelo que passo a enumerar os motivos que justificam a minha tão ríspida adjetivação.

 

Motivos pelos quais recusar a vacina é ESTÚPIDO:

Primeiro: não há neste mundo nenhum tipo de medicamento, droga, vacina ou terapêutica completamente isenta de riscos. Até o vulgar Paracetamol pode provocar complicações na formação de coágulos de sangue (embora esse efeito secundário seja “muito raro” e se calcule que possa afetar uma em cada dez mil pessoas).

Só por isto já é ESTÚPIDO justificar a resistência às vacinas com o facto de conter "componentes perigosos". Mais perigosos são os químicos nos SG Ventil que tantas destas pessoas fumam às pazadas.

 

Segundo: Não há vacinas 100% eficazes (como aliás não há nada, nem o preservativo pessoal... sorry). Há sempre a hipótese de, estando vacinado, contrair Covid-19, mas as possibilidades de isso resultar em doença grave diminuem significativamente (cerca de três vezes, no caso de pessoas com mais de 80 anos e vacinadas com as duas doses, segundo estatísticas apresentadas pela DGS na reunião do Infarmed). O uso do argumento de possível reinfeção como justificação para evitar a vacina é, por isso, ESTÚPIDO.

 

Terceiro: Basta comparar os números da evolução de mortes e casos graves para perceber que a coisa melhorou bastante desde que uma significativa porção da população está vacinada. De acordo com estimativas de investigadores da Universidade do Porto, a vacina terá evitado cerca de 700 mortes entre maio e julho. São dados reunidos por quem faz carreira a analisar e estudar este tipo de coisas, todos os dias, durante anos. Assumir que estão todos a mentir é ESTÚPIDO. Nenhuma opinião proferida pelo Sr. Zé da Tasca pode ser mais sólida que esta, já que é ESTÚPIDO, assumir que se tem razão no que quer que seja sem ter lido uma linha sobre isso.

 

Quarto: A Covid-19 e a pandemia existem mesmo. Dizer o contrário é MUITO ESTÚPIDO, por isso nem me dou ao trabalho de justificar isto com evidências. Só não as vê quem não quer.

 

Motivos pelos quais recusar a vacina é ARROGANTE:

 Tal como a riqueza e o desenvolvimento, o acesso às vacinas no mundo é profundamente desigual.

Já em maio – esse mês longínquo em que ainda não tínhamos a percentagem de vacinados que temos hoje – a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos alertava que 80% das vacinas disponíveis tinham sido administradas nos ditos “países ricos”, enquanto apenas 1,3% tinham chegado aos países mais pobres.

Ainda ontem a Organização Mundial de Saúde alertou para estas desigualdades que continuam a agravar-se. Enquanto em Portugal se discute a possibilidade de administrar uma terceira dose, há países onde os médicos não tem sequer acesso a uma primeira. Vivendo num país onde a vacinação não só é abundante como é gratuita, recusá-la é, no mínimo, ARROGANTE.

 

Motivos pelos quais recusar a vacina é EGOÍSTA:

 A vacinação só funciona se for comunitária. A erradicação de uma doença depende de uma elevada percentagem de população vacinada, e mesmo aí é um processo que demora décadas. Não nos vacinamos apenas para nos protegermos a nós próprios, mas para travar a propagação da doença pela sociedade e, assim, vencer a pandemia.

Há tantos exemplos disto que é ridículo negá-lo. Graças às vacinas: 

-"A varíola foi erradicada no Mundo em 1978 (matava cerca de 5 milhões de pessoas por ano, hoje está quase esquecida);

-A Organização Mundial da Saúde declarou a região europeia livre de poliomielite em 2002. O objetivo é a erradicação desta doença no mundo;

-Em Portugal, a maioria das doenças alvo do Plano Nacional de Vacinação, estão em fase de pré- eliminação (difteria, sarampo, rubéola, rubéola congénita, tétano neonatal) ou estão controladas (tétano, doença grave por Neisseria meningitidis C, doença grave por Haemophilus influenzae b, tosse convulsa, hepatite B e papeira). 

-Na década anterior à introdução do Programa Nacional de Vacinação, quatro doenças – a tosse convulsa, a poliomielite, o tétano e a difteria provocaram um total de 40 175 casos de doença (declarados) e 5 271 mortes. Na década de 2000-2009, devido à vacinação, o número de casos por estas doenças diminuiu acentuadamente para 376 e o número de mortes para 27".

*dados publicados pela ARS Algarve

 

...E isto são apenas alguns exemplos. Há muitos mais casos em que as vacinas comprovadamente erradicaram doenças que outrora estiveram fora de controlo. Por tudo isto, não tomar a vacina é EGOÍSTA, pois impede que a sociedade possa dar a pandemia de Covid-19 como controlada.

 

Resumindo:

Não faz sentido continuar a tomar decisões que impactam a vida de todos de forma individualista, com base em palpites não fundamentados. Parem de ser ignorantes e teimosos! Duvidar de tudo e colocar em causa cada frase que dizem os especialistas não faz das pessoas mais respeitáveis. O cepticismo desenfreado não corresponde a um alto nível de inteligência. Eu sei que acham que sim, mas é mentira...

Tomem a porra da vacina!

Obrigado.

Nem todos queremos saber

A seleção perdeu o jogo contra a Bélgica e foi eliminada do Euro 2020, uma informação dramática para a maioria da população. No meu caso, é-me complemente indiferente, já que não tenho qualquer interesse por nenhum tipo de evento desportivo. Sim, é verdade, admito ser esse extraterrestre e dou o peito às balas: não me interessa mesmo. A nível pessoal até terei menos sobressaltos de agora em diante, pelo que até acaba por me agradar. 

Apesar disso e mesmo que quisesse, é-me impossível ficar imune ao assunto. A importância mediática que é dada ao futebol em Portugal é perturbadora e invade completamente as rotinas até de quem - como eu - não quer saber.

Nós últimos dias vi notíciários a abrir com o campeonato europeu, segmentos especiais a mostrar o hotel onde fica hospedada a seleção, diretos feitos a partir dos aeroportos de partida e chegada dos jogadores e até programas de debate público dedicados a saber qual a opinião da população sobre os resultados dos jogos. Será que isto faz sentido? É mesmo relevante fazer da vida da seleção nacional o Big Brother desportivo?

O futebol é de tal forma o ópio do povo que o pensamento crítico parece perder-se. Confunde-se fanatismo com patriotismo e julga-se a cidadania com base na mobilização "nacional".

original.jpeg

 


 Os campeonatos são negócios que envolvem milhões, mas ainda assim temos responsáveis políticos a dar a cara por este tipo de eventos. Sabendo eles que o "Zé Povinho" vira acéfalo durante as competições, os responsáveis políticos aproveitam demagogicamente a deixa para cair nas boas graças e dizer as maiores barbaridades. Não sei bem se é uma tentativa ingénua de espelharem aquilo que acham que é o espírito popular ou se é puro calculismo político.

Há vários exemplos que importa recordar:

-No ano passado tivemos António Costa a tecer elogios a Fernando Gomes pelo facto de Portugal ser o anfitrião da final da Champions League. Chegou a dizer que tal acontecimento seria "um prémio para os profissionais de saúde", após estes terem feito das tripas coração para dar resposta às necessidades crescentes dos infetados com Covid-19;

-Sem surpresa, esta mesma final da Champions League trouxe ao Porto milhares de ingleses fanáticos absolutamente indiferentes às preocupações de saúde pública. Nessa altura choveram críticas, sim, mas só porque os clubes eram estrangeiros...  Perante o previsível aumento de casos a UEFA apressou-se ainda a dizer que era impossível poderia provar a relação entre os dois acontecimentos;

-Antes disso tivemos ainda a majestosa festa do título do Sporting, que fez esquecer a Covid um pouco por todo o país. Sendo mais do que esperada a mobilização em massa dos adeptos, destacou-se a inação e a falta de planeamento das entidades responsáveis;

Chegados a este ponto, eis que surge a cereja no topo do bolo: Ferro Rodrigues apela à deslocação "em massa" dos portugueses para Sevilha para apoiar a seleção. A palermice foi de tal ordem que, no fim, nem ele próprio se atreveu a ir.

Perante tudo isto parece correto afirmar que o futebol é a "soma" que faz deste país um Admirável Mundo Novo  ilusoriamente livre de covid-19. É no minímo bizarro pensar a indignação que é manifestada com, por exemplo, a corrupção, e depois ninguém se espantar com o apoio político a ligas, clubes e afins.

Enquanto duram as competições presenciamos uma espécie de diplomacia futebolística, na qual seria de mau tom não comentar a última derrota dos "nossos heróis".

Está ainda para nascer o dia em que veja um político assumir-se neutro neste (meio) campo...

 

Mais visitados

Pensamento do dia

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Sobre mim

Sofia Craveiro. Jornalista por obra do acaso. Leitora e cronista nas horas vagas.

Redes Sociais

Mensagens

E livros?

Em destaque no SAPO Blogs
pub