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Um destes dias sentei-me a discutir a suposta “subsidiodependência” vigente no país. Não sei precisar a data da contenda, até porque deve ser pelo menos a centésima vez que me irrito com este assunto. À boleia da cerveja fresca, muitas vozes se insurgem contra este grande flagelo que (supostamente) continua a deixar Portugal de tanga: “Não querem é trabalhar! Ficam em casa a receber o RSI [Rendimento Social de Inserção] e nós a pagar! É uma vergonha!”.
Fotografia de Luís Forra/Lusa
Até poderia ter alguma compreensão com esta tão comum irritação, não fosse o caso de ela ter crescido devido ao papagueamento de um certo deputado populista que recentemente passou de único a multiplicado. A questão é que é muito fácil a emissão gratuita de postas de pescada quando nada se sabe sobre a vida no mar.
É errado julgar o mundo pelo que se passa no nosso bairro, pelo que não se pode descredibilizar a eficácia de uma medida de combate à pobreza, só porque até temos um par de vizinhos vigaristas. Mas vamos por partes:
1º - Vivemos no seio de um Estado social, que pressupõe o pagamento de impostos para que os mesmos possam ser redistribuídos, conforme as necessidades de cada um. Isto é quase política para totós, mas talvez importe relembrar a lógica, já que o socialismo é a ideologia que tem a esmagadora maioria dos assentos parlamentares;
2º - O RSI não tem um peso assim tão significativo nas contas públicas. Em maio deste ano, a SIC emitiu uma Grande Reportagem intitulada “O mínimo garantido”, que falava precisamente sobre o mal-afamado subsídio. Os dados apresentados revelavam o valor exato deste apoio social (189,66 euros, no máximo, por pessoa), assim como o peso do mesmo no orçamento da Segurança Social (0,9% das despesas, ou seja, uma migalha).
De acordo com a mesma fonte - que citava dados oficiais - há em Portugal 198 706 beneficiários do RSI, sendo que quase um terço são menores. O economista Carlos Farinha Rodrigues, que integrou o grupo de trabalho da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, explicou mesmo que este apoio “é atualmente uma medida para reduzir a intensidade da pobreza e não para tirar as pessoas da pobreza”. Logo, “ninguém deixa de ser pobre por estar a receber o RSI”. Também já tinha essa ideia, por acaso...
3º - A melhoria das condições de vida de pessoas carenciadas não se resolve só com dinheiro e é absolutamente erróneo pensar que sim (assim como é absurdo pensar que o valor do RSI dá para alguém ter uma vida digna). Se os apoios não forem pensados de forma mais abrangente, o ciclo de pobreza perpetua-se. Daí que a referida reportagem tenha mostrado ainda o exemplo de uma jovem de etnia cigana do Tortosendo, que contava ter conseguido continuar a sua educação devido aos requisitos impostos para atribuição do RSI (como a obrigatoriedade de frequentar formações). Daqui para a frente tem outras oportunidades que pode explorar.
Não tendo muito mais espaço para me alongar sobre assunto, queria apenas usar a minha metade da página para alertar que temos problemas bastante maiores no nosso país do que essa suposta “subsidiodependência”. Se não saímos da cepa torta, dificilmente a culpa é de do Sr. Zé António de Rabo de Peixe. A culpa é dos tubarões que dão dentadas de monstro no erário público e sobre os quais, aliás, o deputado multiplicado não costuma tecer sentenças. Pensemos nisto antes de sucumbir ao populismo.
Texto originalmente publicado no jornal Correio de Unhais
No último mês e meio temos observado diariamente o escalar de atrocidades que o Presidente Russo decidiu levar a cabo na Ucrânia. Num curto espaço de tempo passámos de uma tensão descredibilizada a uma invasão inacreditável. Todos os dias vemos os relatos de milhares de refugiados que viram as suas vidas arrasadas por aquilo que pareceu uma tentativa falhada de Blitzkrieg. O avançar das tropas russas parece ter ficado aquém dos planos de Putin, mas a destruição continua a deixar-nos estupefactos. As recentes imagens do massacre de Bucha parecem mesmo retiradas de um qualquer arquivo histórico da II Guerra Mundial.
Foto: Getty Images
Talvez por isso nos pareça óbvio e sensato que a quase totalidade da informação que nos chega mostre o lado da Ucrânia. É certo que é este o palco do ataque, mas será que não nos faz falta saber o que se diz do outro lado? A União Europeia acha que não. Ou melhor: decidiu que não.
No passado dia 2 de março, a UE anunciou a suspensão das emissões dos órgãos de comunicação do Kremlin - Russia Today e Sputnik - dentro do espaço mediático dos 27. O que está aqui em causa é a “importância das palavras” em tempo de guerra, segundo Ursula Von Der Leyen. “Estamos a ver uma enorme quantidade de propaganda e desinformação sobre este ataque a um país livre e independente”, e, por isso, “não vamos permitir que os apologistas do Kremlin despejem as suas mentiras tóxicas a justificar a guerra de Putin, ou a plantar divisões na nossa União”, disse a presidente da Comissão Europeia citada pelo jornal Público.
Mesmo sendo isto verdade, não são os cidadãos capazes de o constatar por si próprios? Enquanto comunidade de países democráticos e livres, não deveria a UE permitir que cada indivíduo fizesse a sua avaliação? É necessário este paternalismo no que à difusão de informação diz respeito?
A propaganda russa, por muito falsa e manipuladora que seja, é uma parte integrante e importante deste momento da História. A forma como o Kremlin escolhe relatar o que está a acontecer dá pistas, nem que seja para perceber o impacto disto junto dos cidadãos daquele país.
Não deixa de ser curioso pensar que em Portugal, durante o Estado Novo, a informação era analisada, editada e limitada “a bem da Nação”. Era com esta frase que eram rematados muitos dos telegramas e mensagens da Direção Geral de Censura aos órgãos de comunicação. Neste caso, a ideia expressa é a de “não plantar divisões na nossa União”, o que parece soar quase ao mesmo.
Se plataformas como o Youtube, Facebook ou Instagram decidem bloquear os mesmos canais na Europa – num ato de grande hipocrisia, diga-se – a UE não pode simplesmente seguir a mesma linha. Por muito revoltante que seja (e essa é uma discussão muito mais abrangente), uma coisa são empresas privadas, outra, muito diferente, são entidades oficiais.
Se a razão é decidida por decreto, estaremos a viver numa sociedade verdadeiramente livre e plural? Sabemos o quanto a linha entre informação e desinformação é cada vez mais ténue, mas a competência de os distinguir não pode estar sob a égide de qualquer estado (ou federação, se quisermos).
Conforme escreveu o advogado Francisco Teixeira da Mota, num artigo de opinião: “na Europa das democracias, se começamos a proibir jornais, rádios ou televisões porque transmitem propaganda ou fake news, estamos a introduzir e a normalizar um instrumento cortante e perigoso que, um dia, vai estar em cima dos nossos pescoços”.
Pensar que apenas a visão “correta” dos factos deve ser disseminada é limitar de forma drástica a capacidade de julgamento dos cidadãos. Não é novidade que vivemos num mundo onde se torna cada vez mais difícil perceber o que é fidedigno, onde qualquer pessoa pode fingir identidades, onde partidos cultivam eleitorado à custa da difamação e da mentira, mas a solução não passa pela limitação de informação (ou propaganda, neste caso). A solução passa pela consciencialização de cada um, que só pode ser feita depois de avaliadas todas as vertentes. A imposição de uma perceção significa, em última instância, um caminho totalitário que já começámos a fazer.
*artigo originalmente publicado em Gerador.eu
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