Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

IN.SO.LEN.TE

Nota sobre o plágio

Tenho visto todo o tipo de opiniões sobre o recente caso de plágio no Público. Tal como muitos colegas de profissão, hesitei em manifestar-me. Não é prazeroso tecer sentenças sobre um jornalista cujo trabalho admiro (e bem sabemos o quanto hoje em dia as opiniões podem virar-se contra nós).
 
A questão é que, se ser jornalista é já tão ingrato, não podemos facilitar no que toca a valores éticos e deontológicos, sob pena de o nosso ser trabalho ser cada vez mais descredibilizado.
 
O que a Joana Fillol Guimarães Lopes fez é de louvar e isso tem de ser dito. Já li por aí que esta culpabilização é abusiva para o mérito do jornalista em questão - mérito esse que não vou questionar - e que não passa de uma condenação vã no altar do Facebook. Não concordo.
 
Também já li discursos moralistas de absoluta reprovação que, não estando vazios de razão, acabam por revelar desconhecimento das exigências atuais deste meio. Apesar disso, no final do dia, por mais difícil que seja cumprir um prazo ou ter matéria suficientemente relevante para uma crónica - e sei bem que pode ser um calvário - não podemos cair no facilitismo de roubar ideias e pensamentos, porque é a nossa credibilidade que está em jogo.
 

bank-phrom-Tzm3Oyu_6sk-unsplash.jpg

 
Já oiço tantas vezes a boca populista e ignorante que diz que os "jornalistas são todos mentirosos e/ou interesseiros", que, se um jornal com esta relevância fechasse os olhos a isto, toda uma classe seria posta em causa.
 
É verdade que a situação não é inédita, mas isso também não pode ser justificação. Até porque os jornalistas em lugares de destaque e garantia de reconhecimento do seu trabalho têm uma responsabilidade acrescida. A situação é, de facto, bastante lamentável em todos os seus contornos, mas o final não poderia ser outro.

“Subsidiodependência”

Um destes dias sentei-me a discutir a suposta “subsidiodependência” vigente no país. Não sei precisar a data da contenda, até porque deve ser pelo menos a centésima vez que me irrito com este assunto. À boleia da cerveja fresca, muitas vozes se insurgem contra este grande flagelo que (supostamente) continua a deixar Portugal de tanga: “Não querem é trabalhar! Ficam em casa a receber o RSI [Rendimento Social de Inserção] e nós a pagar! É uma vergonha!”.

 

3094414958058f0d11fddefaultlarge_1024.jpeg

Fotografia de Luís Forra/Lusa

Até poderia ter alguma compreensão com esta tão comum irritação, não fosse o caso de ela ter crescido devido ao papagueamento de um certo deputado populista que recentemente passou de único a multiplicado. A questão é que é muito fácil a emissão gratuita de postas de pescada quando nada se sabe sobre a vida no mar.

É errado julgar o mundo pelo que se passa no nosso bairro, pelo que não se pode descredibilizar a eficácia de uma medida de combate à pobreza, só porque até temos um par de vizinhos vigaristas. Mas vamos por partes:

1º - Vivemos no seio de um Estado social, que pressupõe o pagamento de impostos para que os mesmos possam ser redistribuídos, conforme as necessidades de cada um. Isto é quase política para totós, mas talvez importe relembrar a lógica, já que o socialismo é a ideologia que tem a esmagadora maioria dos assentos parlamentares;

2º - O RSI não tem um peso assim tão significativo nas contas públicas. Em maio deste ano, a SIC emitiu uma Grande Reportagem intitulada “O mínimo garantido”, que falava precisamente sobre o mal-afamado subsídio. Os dados apresentados revelavam o valor exato deste apoio social (189,66 euros, no máximo, por pessoa), assim como o peso do mesmo no orçamento da Segurança Social (0,9% das despesas, ou seja, uma migalha).

De acordo com a mesma fonte - que citava dados oficiais - há em Portugal 198 706 beneficiários do RSI, sendo que quase um terço são menores. O economista Carlos Farinha Rodrigues, que integrou o grupo de trabalho da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, explicou mesmo que este apoio “é atualmente uma medida para reduzir a intensidade da pobreza e não para tirar as pessoas da pobreza”. Logo, “ninguém deixa de ser pobre por estar a receber o RSI”. Também já tinha essa ideia, por acaso...

3º - A melhoria das condições de vida de pessoas carenciadas não se resolve só com dinheiro e é absolutamente erróneo pensar que sim (assim como é absurdo pensar que o valor do RSI dá para alguém ter uma vida digna). Se os apoios não forem pensados de forma mais abrangente, o ciclo de pobreza perpetua-se. Daí que a referida reportagem tenha mostrado ainda o exemplo de uma jovem de etnia cigana do Tortosendo, que contava ter conseguido continuar a sua educação devido aos requisitos impostos para atribuição do RSI (como a obrigatoriedade de frequentar formações). Daqui para a frente tem outras oportunidades que pode explorar.

Não tendo muito mais espaço para me alongar sobre assunto, queria apenas usar a minha metade da página para alertar que temos problemas bastante maiores no nosso país do que essa suposta “subsidiodependência”. Se não saímos da cepa torta, dificilmente a culpa é de do Sr. Zé António de Rabo de Peixe. A culpa é dos tubarões que dão dentadas de monstro no erário público e sobre os quais, aliás, o deputado multiplicado não costuma tecer sentenças. Pensemos nisto antes de sucumbir ao populismo.

 

 

Texto originalmente publicado no jornal Correio de Unhais

Liberdade, mas só dentro dos termos

No último mês e meio temos observado diariamente o escalar de atrocidades que o Presidente Russo decidiu levar a cabo na Ucrânia. Num curto espaço de tempo passámos de uma tensão descredibilizada a uma invasão inacreditável. Todos os dias vemos os relatos de milhares de refugiados que viram as suas vidas arrasadas por aquilo que pareceu uma tentativa falhada de Blitzkrieg. O avançar das tropas russas parece ter ficado aquém dos planos de Putin, mas a destruição continua a deixar-nos estupefactos. As recentes imagens do massacre de Bucha parecem mesmo retiradas de um qualquer arquivo histórico da II Guerra Mundial.

A-Uniao-Europeia-vai-banir-meios-de-comunicacao-co

Foto: Getty Images

Talvez por isso nos pareça óbvio e sensato que a quase totalidade da informação que nos chega mostre o lado da Ucrânia. É certo que é este o palco do ataque, mas será que não nos faz falta saber o que se diz do outro lado? A União Europeia acha que não. Ou melhor: decidiu que não.

No passado dia 2 de março, a UE anunciou a suspensão das emissões dos órgãos de comunicação do Kremlin - Russia Today e Sputnik - dentro do espaço mediático dos 27. O que está aqui em causa é a “importância das palavras” em tempo de guerra, segundo Ursula Von Der Leyen. “Estamos a ver uma enorme quantidade de propaganda e desinformação sobre este ataque a um país livre e independente”, e, por isso, “não vamos permitir que os apologistas do Kremlin despejem as suas mentiras tóxicas a justificar a guerra de Putin, ou a plantar divisões na nossa União”, disse a presidente da Comissão Europeia citada pelo jornal Público.

Mesmo sendo isto verdade, não são os cidadãos capazes de o constatar por si próprios? Enquanto comunidade de países democráticos e livres, não deveria a UE permitir que cada indivíduo fizesse a sua avaliação? É necessário este paternalismo no que à difusão de informação diz respeito?

A propaganda russa, por muito falsa e manipuladora que seja, é uma parte integrante e importante deste momento da História. A forma como o Kremlin escolhe relatar o que está a acontecer dá pistas, nem que seja para perceber o impacto disto junto dos cidadãos daquele país.

Não deixa de ser curioso pensar que em Portugal, durante o Estado Novo, a informação era analisada, editada e limitada “a bem da Nação”. Era com esta frase que eram rematados muitos dos telegramas e mensagens da Direção Geral de Censura aos órgãos de comunicação. Neste caso, a ideia expressa é a de “não plantar divisões na nossa União”, o que parece soar quase ao mesmo.

Se plataformas como o YoutubeFacebook ou Instagram decidem bloquear os mesmos canais na Europa – num ato de grande hipocrisia, diga-se – a UE não pode simplesmente seguir a mesma linha. Por muito revoltante que seja (e essa é uma discussão muito mais abrangente), uma coisa são empresas privadas, outra, muito diferente, são entidades oficiais.

Se a razão é decidida por decreto, estaremos a viver numa sociedade verdadeiramente livre e plural? Sabemos o quanto a linha entre informação e desinformação é cada vez mais ténue, mas a competência de os distinguir não pode estar sob a égide de qualquer estado (ou federação, se quisermos).

Conforme escreveu o advogado Francisco Teixeira da Mota, num artigo de opinião: “na Europa das democracias, se começamos a proibir jornais, rádios ou televisões porque transmitem propaganda ou fake news, estamos a introduzir e a normalizar um instrumento cortante e perigoso que, um dia, vai estar em cima dos nossos pescoços”.

Pensar que apenas a visão “correta” dos factos deve ser disseminada é limitar de forma drástica a capacidade de julgamento dos cidadãos. Não é novidade que vivemos num mundo onde se torna cada vez mais difícil perceber o que é fidedigno, onde qualquer pessoa pode fingir identidades, onde partidos cultivam eleitorado à custa da difamação e da mentira, mas a solução não passa pela limitação de informação (ou propaganda, neste caso). A solução passa pela consciencialização de cada um, que só pode ser feita depois de avaliadas todas as vertentes. A imposição de uma perceção significa, em última instância, um caminho totalitário que já começámos a fazer.

*artigo originalmente publicado em Gerador.eu

Mais visitados

Pensamento do dia

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Sobre mim

Sofia Craveiro. Jornalista por obra do acaso. Leitora e cronista nas horas vagas.

Redes Sociais

Mensagens

E livros?

Em destaque no SAPO Blogs
pub