George Floyd foi a gota de água que fez transbordar os Estados Unidos da América.
O chocante caso de violência policial racista - que pode ser analisado ao detalhe nesta investigação do New York Times - mostra o assassínio de um cidadão afro-americano por um sádico polícia branco em pela luz do dia. O caso acendeu o rastilho da revolta social e será determinante para a reeleição de Trump. Manifestantes saíram à rua em defesa da justiça por Floyd, mas a escalada de violência tem sido de tal ordem que serve apenas como pretexto para mais repressão policial.
Minneapolis, na sexta-feira. Foto: CHANDAN KHANNA / AFP
Este era o grande trunfo que faltava para a reeleição de Trump: um país profundamente polarizado, que se divide entre injustiçados enraivecidos - que incendeiam as ruas e pilham lojas, e por isso tornam-se um alvo a abater - e a supostamente necessária "law and order" que Donald Trump agora capitaliza até à exaustão. É uma distração fantástica para a hecatombe pandémica com que o presidente não soube lidar (e cujas consequências sociais e económicas muito contribuíram para a atual revolta). Após ter derrapado estrondosamente na gestão da covid-19 Mr.President espera agora surgir como salvador da pátria branca, capaz de tranquilizar os extremistas que se afrontam com protestos dos "forasteiros" que tanto detestam.
Ao invés de apelar à pacificação Trump aviva o ódio e perpetua a continuidade do caos. Convém-lhe que as insurgências continuem, para que possa surgir nos debates eleitoriais com o argumento de que os manifestantes são selvagens e têm de controlados. As pessoas cujas lojas foram pilhadas, os bairros aterrorizados e familiares violentados nos protestos vão levá-lo à vitória. A escalada de violência vai agora servir de pretexto nacionalista e não poderá ter outro resultado que não um racismo ainda mais exacerbado.
Diz-se que os grandes líderes vêm-se nas crises, e esta crise em particular foi feita à medida a Trump. Daqui ele saírá fortalecido e apresentar-se-á como o messias - como aliás já está a fazer - cujas repressões serão decisivas para o país.
Há dois dias atrás li um artigo sobre as várias conspirações defendidas por apoiantes de Trump que correm por essa internet fora: QAnon, ao Pizzagate e o Obamagate. Amplamente partilhadas, estas estórias há muito que quebraram a barreira do underground e hoje estão perto de habitar o senado pois, e citando o Público:
há uma semana, o Partido Republicano do Oregon escolheu como candidata oficial às eleições de Novembro Jo Rae Perkins, uma apoiante do Presidente Trump e promotora da teoria da conspiração QAnon.
Estas acusações de conluios, que quase sempre pretendem ferir o partido democrata, não passam de produtos de influência vazia, importados diretamente das cabeças da direita-radical. Apesar de completamente mirabulantes, estas teorias são amplamente partilhadas, beneficiando da velocidade sôfrega da internet, que não combina muito bem com verificação de factos.
Hoje o Twitter decidiu fazer a diferença. Sendo o prinicipal veículo de depósito de acusações por parte de Trump, a rede social deu um importante passo na luta contra as fake news e assinalou o Tweet do Presidente com um link que remete os leitores para informação fidedigna (que contrapõe o habitual delírio do (i)rresponsável máximo dos EUA).
Como seria de esperar, Trump apressou-se a tentar virar o jogo, acusando a rede social de querer interferir nas próximas eleições presidenciais, de violar a liberdade de expressão, entre outras coisas. De facto, desde que o Tweet foi sinalizado, Mr.President escreveu mais de cinquenta novos posts - sendo que todos eles são partilhados e comentados à velocidade da luz. A Fox, sendo fiel a si mesma, aborda o assunto de outra forma e afirma que o Twitter inventou regras separadas para o Presidente, o que fez cair as suas ações na bolsa.
Pessoalmente - e por tudo isto - aplaudo a atitude do Twitter, pelo facto de ser há bastante tempo o canal de eleição de Trump para evitar a mediação da imprensa. Esta atitude pode ser um relevante pontapé de saída no combate à desinformação - apesar de não se conseguir ainda perceber se a abordagem é a mais correta, pois impõe-se sempre o complexo debate da liberdade de expressão.
Não querendo, no entanto, discutir essa vertente, penso que a grande questão que se coloca agora é: poderá esta atitude do Twitter ter efeitos significativos?
Eu concordo, mas apenas em parte. É óbvio que nao será a partir daqui que a batalha fica ganha - até porque Trump irá concerteza insistir na retaliação - mas mais importante do que conseguir ou não atestar a veracidade dos posts de Trump, o Twitter conseguiu pelo menos que a atitude ficasse registada como possível. Mostrou que as redes sociais não têm de ser meros meios inertes, podendo ter um papel ativo no combate aos conteúdos falsos que disseminam. Não é uma vitória, mas pode perfeitamente ser o primeiro tiro de canhão.
Se antes a gestão da crise pandémica dominava o espaço mediático, colocando os holofotes sobre os problemas na saúde e a luta do executivo para solucioná-los à pressão, o foco agora são os efeitos económicos do confinamento. A preocupação comum é o desemprego crescente, as empresas em dificuldade e os aumentos óbvios de pessoas sem dinheiro para comer. Perante isto dar dinheiro público a um banco problemático - quando ainda por cima há relatos de que empresários não conseguem aceder a créditos para face à crise - custa necessariamente a engolir.
Mas terá este triste timing sido um mero acaso?
O dinheiro transferido esta semana para o Novo Banco pelo Fundo de Resolução (...) foi feito ao abrigo do mecanismo acordado na venda do Novo Banco à Lone Star (em 2017), pelo qual o Fundo de Resolução compensa o banco por perdas em ativos com que ficou na resolução do BES.
Portanto, e segundo este excerto de uma notícia do ECO, a transferência de 850 milhões para o Fundo de Resolução realizada há dias estava prevista no Orçamento de Estado. O mesmo disse o próprio Mário Centeno na entrevista que deu à TSF. Como explicar então a posição de António Costa relativamente a este assunto? Se não me choca que a informação da transferência não tivesse chegado ao Primeiro-Ministro a tempo do debate - por ter sido de um dia para o outro - choca-me que sejam mencionadas condicionantes ao empréstimo que aparentemente nunca existiram, visto que este está previsto há anos, mesmo sem a(s) auditoria(s) - que já agora ainda não ninguém percebeu bem se é singular ou plural. Como se não fosse suficiente ficamos ainda a saber que, apesar do Novo Banco dar prejuízo, continua a haver espaço para premiar gestores com dois milhões de euros (que o banco não tem).
Gráfico: retirado de eco.sapo.pt
Como explicar a falta de razoabilidade de tudo isto?
Como dizê-lo a um pequeno empresário que vê o negócio morrer às mãos do covid e não recebe ajuda estatal? Que colocou trabalhadores em lay-off e ainda não viu chegar o apoio que lhe foi prometido? Que foi ao banco e não conseguiu obter crédito?
Perante esta situação já suficientemente lamentável António Costa vem ainda afirmar, e cito:
Não é admissível. E é precisamente o tipo de coisa que lavra a terra para populistas virem plantar. As descrenças na democracia representativa nascem aqui, na falta de confiança nos Governos. Em momentos de crise como este, em que milhares de portugueses enfrentam grandes dificuldades e incertezas face ao futuro, a situação só se agrava. Muito mais do que um despique entre um Ministro das Finanças e um Primeiro-Ministro esta situação é uma flagrante falta de clareza e transparência.
Está Mário Centeno a ser atirado aos lobos por algo que não decidiu sozinho? Houve uma desautorização de António Costa, ou um grave lapso na memória do Primeiro-Ministro? Porque fez ele uma promessa a Catarina Martins se sabia que não a podia cumprir? Há demasiadas perguntas e muito poucas respostas claras. Se já se sabia de antemão que a pandemia seria um terreno fértil para capitalização de erros por parte de oportunistas políticos, agora torna-se difícil arranjar argumentos para os combater...