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IN.SO.LEN.TE

Nota sobre o plágio

Tenho visto todo o tipo de opiniões sobre o recente caso de plágio no Público. Tal como muitos colegas de profissão, hesitei em manifestar-me. Não é prazeroso tecer sentenças sobre um jornalista cujo trabalho admiro (e bem sabemos o quanto hoje em dia as opiniões podem virar-se contra nós).
 
A questão é que, se ser jornalista é já tão ingrato, não podemos facilitar no que toca a valores éticos e deontológicos, sob pena de o nosso ser trabalho ser cada vez mais descredibilizado.
 
O que a Joana Fillol Guimarães Lopes fez é de louvar e isso tem de ser dito. Já li por aí que esta culpabilização é abusiva para o mérito do jornalista em questão - mérito esse que não vou questionar - e que não passa de uma condenação vã no altar do Facebook. Não concordo.
 
Também já li discursos moralistas de absoluta reprovação que, não estando vazios de razão, acabam por revelar desconhecimento das exigências atuais deste meio. Apesar disso, no final do dia, por mais difícil que seja cumprir um prazo ou ter matéria suficientemente relevante para uma crónica - e sei bem que pode ser um calvário - não podemos cair no facilitismo de roubar ideias e pensamentos, porque é a nossa credibilidade que está em jogo.
 

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Já oiço tantas vezes a boca populista e ignorante que diz que os "jornalistas são todos mentirosos e/ou interesseiros", que, se um jornal com esta relevância fechasse os olhos a isto, toda uma classe seria posta em causa.
 
É verdade que a situação não é inédita, mas isso também não pode ser justificação. Até porque os jornalistas em lugares de destaque e garantia de reconhecimento do seu trabalho têm uma responsabilidade acrescida. A situação é, de facto, bastante lamentável em todos os seus contornos, mas o final não poderia ser outro.

“Subsidiodependência”

Um destes dias sentei-me a discutir a suposta “subsidiodependência” vigente no país. Não sei precisar a data da contenda, até porque deve ser pelo menos a centésima vez que me irrito com este assunto. À boleia da cerveja fresca, muitas vozes se insurgem contra este grande flagelo que (supostamente) continua a deixar Portugal de tanga: “Não querem é trabalhar! Ficam em casa a receber o RSI [Rendimento Social de Inserção] e nós a pagar! É uma vergonha!”.

 

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Fotografia de Luís Forra/Lusa

Até poderia ter alguma compreensão com esta tão comum irritação, não fosse o caso de ela ter crescido devido ao papagueamento de um certo deputado populista que recentemente passou de único a multiplicado. A questão é que é muito fácil a emissão gratuita de postas de pescada quando nada se sabe sobre a vida no mar.

É errado julgar o mundo pelo que se passa no nosso bairro, pelo que não se pode descredibilizar a eficácia de uma medida de combate à pobreza, só porque até temos um par de vizinhos vigaristas. Mas vamos por partes:

1º - Vivemos no seio de um Estado social, que pressupõe o pagamento de impostos para que os mesmos possam ser redistribuídos, conforme as necessidades de cada um. Isto é quase política para totós, mas talvez importe relembrar a lógica, já que o socialismo é a ideologia que tem a esmagadora maioria dos assentos parlamentares;

2º - O RSI não tem um peso assim tão significativo nas contas públicas. Em maio deste ano, a SIC emitiu uma Grande Reportagem intitulada “O mínimo garantido”, que falava precisamente sobre o mal-afamado subsídio. Os dados apresentados revelavam o valor exato deste apoio social (189,66 euros, no máximo, por pessoa), assim como o peso do mesmo no orçamento da Segurança Social (0,9% das despesas, ou seja, uma migalha).

De acordo com a mesma fonte - que citava dados oficiais - há em Portugal 198 706 beneficiários do RSI, sendo que quase um terço são menores. O economista Carlos Farinha Rodrigues, que integrou o grupo de trabalho da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, explicou mesmo que este apoio “é atualmente uma medida para reduzir a intensidade da pobreza e não para tirar as pessoas da pobreza”. Logo, “ninguém deixa de ser pobre por estar a receber o RSI”. Também já tinha essa ideia, por acaso...

3º - A melhoria das condições de vida de pessoas carenciadas não se resolve só com dinheiro e é absolutamente erróneo pensar que sim (assim como é absurdo pensar que o valor do RSI dá para alguém ter uma vida digna). Se os apoios não forem pensados de forma mais abrangente, o ciclo de pobreza perpetua-se. Daí que a referida reportagem tenha mostrado ainda o exemplo de uma jovem de etnia cigana do Tortosendo, que contava ter conseguido continuar a sua educação devido aos requisitos impostos para atribuição do RSI (como a obrigatoriedade de frequentar formações). Daqui para a frente tem outras oportunidades que pode explorar.

Não tendo muito mais espaço para me alongar sobre assunto, queria apenas usar a minha metade da página para alertar que temos problemas bastante maiores no nosso país do que essa suposta “subsidiodependência”. Se não saímos da cepa torta, dificilmente a culpa é de do Sr. Zé António de Rabo de Peixe. A culpa é dos tubarões que dão dentadas de monstro no erário público e sobre os quais, aliás, o deputado multiplicado não costuma tecer sentenças. Pensemos nisto antes de sucumbir ao populismo.

 

 

Texto originalmente publicado no jornal Correio de Unhais

O aborto não se proíbe, só se criminaliza... e ainda há quem não perceba isto

No mês passado fez 15 anos que a interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher foi despenalizada. 

Em 2007, o segundo referendo feito em Portugal mostrou que a maioria dos portugueses e portuguesas concordava que não era justo julgar mulheres pelo “crime” de aborto. Apesar de tudo, o resultado foi bastante renhido (o “sim” ganhou com 59,25% dos votos, o “não” obteve 40,75%, mas a abstenção foi de 56,4%).

A publicação da lei nº16/2007 foi o culminar de décadas de luta e entraves colocados sistematicamente por grupos pró-vida, setores religiosos e responsáveis políticos (um deles o nosso atual presidente da República que, em 1998, acordou com o então primeiro-ministro e líder do PS, António Guterres, submeter a consulta popular uma proposta que tinha sido aprovada na Assembleia da República). Passei os últimos meses a investigar isto, e conto a história toda nesta reportagem do Gerador, onde reuni as declarações de alguns dos protagonistas envolvidos na luta pela despenalização.

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Foto: Protestos a favor do direito ao aborto nos EUA. Lusa

Importa sublinhar que o aborto era prática comum, mas só em 2007 passou a ser um direito. Note-se que, até esta altura, as mulheres podiam ser condenadas com uma pena até três anos de prisão por escolherem não ser mães. O aborto era legal apenas em casos de malformação do feto, violação ou risco para a saúde da mulher.

Desde que o aborto foi despenalizado em Portugal que, no geral, os números têm vindo a descer e isso fica patente quando se olha para os dados da Direção-Geral de Saúde.

Apesar disso, ainda há muito por fazer, já que o acesso à IVG no Sistema Nacional de Saúde continua a envolver problemas. Há muitas mulheres a relatar dificuldades em conseguir consultas – que, diz a lei, não devem exceder os 5 dias, a partir do momento em que são requeridas – necessidade de deslocações para fora da sua área de residência e reprovação por parte de profissionais de saúde. Sei isto porque falei com dezenas de mulheres (e reuni os dados num outro artigo, também ele publicado no Gerador).

Com tudo isto a acontecer – e, diga-se, a passar incólume – vemos surgir notícias absurdas, em que os médicos de família poderiam vir a ser avaliados pelo número de IVGs realizadas pelas suas utentes, sendo este um critério que poderia mesmo resultar em bonificação salarial. Ou seja, menos IVGs, mais dinheiro no fim do mês.

Felizmente, a ideia (peregrina) foi rapidamente posta de lado, assim que o bom senso levantou a voz. Apesar disso, não podemos menosprezar o facto de um critério destes ter sido considerado e até validado pela Direção-Geral de Saúde (!).

O que aqui está em causa é o direito a fazer uma escolha segura, porque a escolha é sempre feita! As mulheres que desejem abortar vão fazê-lo, seja de que forma for. Já o faziam muito antes de ser legal no nosso país e em muito maior escala. Mulheres de todos os estratos sociais faziam abortos, mas só quem tinha dinheiro podia assegurar as condições médicas necessárias. O que a despenalização trouxe foi segurança médica, gratuitidade e acompanhamento psicológico (se for necessário).

Ao contrário do que defendiam os opositores à despenalização, não houve uma banalização da IVG. Com o reforço do planeamento familiar e o aconselhamento posterior, os números tendem a descer. Nunca chegarão a zero, porque haverá sempre gravidezes indesejadas. Nenhum método contracetivo é infalível.

Em suma: a despenalização da IVG veio possibilitar que qualquer mulher, independentemente da sua condição financeira, possa interromper a gravidez sem colocar a sua vida em risco. É simples.

Isto tem de ser continuamente sublinhado, porque não é possível proibir o aborto. Isso é uma ilusão. O que é possível – e infelizmente cada vez mais provável, conforme vemos acontecer nos EUA - é voltar a sentar as mulheres no banco dos réus por fazerem uma escolha legítima.

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Sobre mim

Sofia Craveiro. Jornalista por obra do acaso. Leitora e cronista nas horas vagas.

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