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IN.SO.LEN.TE

"Países inteligentes"

A inteligência é algo difícil de definir.

Se por um lado esta ligada à cognição, planeamento e raciocínio, por outro não pode descartar a componente psicológica de abstração e adaptação aos diferentes contextos.

Embora existam muitas definições de inteligência - e seja virtualmente impossível eleger uma única - a verdade é que podemos pelo menos destacar um elemento comum a todas elas: a compreensão. Seja ela do contexto, da situação, do problema, dos intervenientes ou da crise de saúde pública que o mundo inteiro atravessa neste momento.

É com isto em mente que me debruço sobre a notícia de que a Áustria iniciou uma aliança de "países inteligentes" para reativar a economia e minimizar os estragos de uma eventual segunda vaga de covid-19. O que são "países inteligentes"? Também não sei, mas de acordo com Sebastian Kurz, chanceler austríaco (citado pelo jornal Público) são:

Países com uma geografia “muito diferente, mas que são países em geral mais pequenos, inteligentes”, que “como nós reagiram de modo rápido e intensivo e por isso têm saído da crise melhor do que outros”.

A lista inclui então - além da sapiente Áustria - a Austrália, Nova Zelândia, Israel, Dinamarca, República Checa e Grécia. Estas nações iluminadas irão agora passar a reunir-se quinzenalmente (como aliás já fizeram no passado fim de semana) para analisar como "podem recomeçar a funcionar, a estimular a economia enquanto ao mesmo tempo mantêm o vírus controlado”, diz Kurz. A ideia passa também por estabelecer acordos nas áreas do turismo e comércio. A Alemanha e a cidade-estado de Singapura também foram convidadas para o clube da inteligência, mas enquanto a primeira negou, a segunda não entrou devido a "problemas técnicos".

Tiremos então um momento para pensar...

 

Sebastian Kurz. Foto: Joe Klamar/Getty ImagesSebastian Kurz. Foto: Joe Klamar/Getty Images

 

A lógica elitista presente nesta nova "aliança", além de profundamente arrogante, é completamente absurda, especialmente no que respeita aos argumentos que a justificam. A forma como a pandemia afetou os países não pode ser apenas medida pela eficácia das medidas governamentais, pois fatores como a demografia, a estabilidade económica, o posicionamento geográfico, entre tantas outras coisas, afetam profundamente a resposta à covid-19 e, consequentemente, os seus impactos a longo prazo nas economias nacionais. Não considerar todos estes fatores parece-me a mim uma flagrante falta de inteligência (para não lhe chamar cinismo).

Mais uma vez estamos perante uma manifestação de moralismo, típica de "países frugais" (do norte da Europa), que insistem em distanciar-se da restante União - em particular dos "irresponsáveis do sul" - e agir com soberba. Agora a fasquia do distanciamento foi elevada a outro nível, pois inclui uma cooperação extra-UE, centrada na valorização do comércio e turismo dos países intervinientes, que não só é precipitada como profundamente egoísta - já que pressupõe a captação dos visitantes que países como Itália e Espanha irão previsivelmente perder (ou pelo menos tardar a recuperar).

Será esta a nova definição de inteligência que vai emergir desta crise?

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Sobre mim

Sofia Craveiro. Jornalista por obra do acaso. Leitora e cronista nas horas vagas.

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