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IN.SO.LEN.TE

Memória colonial: Marcelino da Mata e Mamadou Ba

A polémica em torno de Marcelino da Mata mostra bem as divisões que persistem em Portugal.

Por ter sido o militar mais condecorado do Exército o seu funeral teve direito à presença de ilustres, mas, por ter levado a cabo inúmeros assassínios durante a missão na Guiné, a sua memória não está livre de contorvérsia.

Durante a Guerra do Ultramar as pretensões colonialistas de Portugal foram honradas por este homem que, cumprindo ordens, levou a cabo a missão que lhe propunham. Essa missão envolvia a invasão de territórios, o bombardeamento de povoações e a aniquilação de quem se opusesse. Por isso mesmo as condecorações de que tanto se fala são prévias à Revolução dos Cravos, e foram entregues durante um regime ditatorial que tinha na censura um dos seus pilares. 

No entanto, à luz da nossa consciência atual, as suas ações são altamente censuráveis, precisamente porque condenamos o contexto que as motivou: o colonialismo.

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O piloto Miguel Pessoa ao ser resgatado pelos Vingadores, o grupo de operações especiais chefiado por Marcelino da Mata, (que na foto empunha uma catana).

Foto do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

 

A própria vida de Marcelino da Mata reflete bem as diferenças de percepção adoptadas pelo país que ele escolheu defender: passou de militar condecorado a prisioneiro no PREC e acaba por morrer num contexto de aparente desvalorização. A notícia do seu falecimento passou virtualmente incólume e, note-se, só criou ruído quando os obituários geraram tantas críticas quanto elogios.


Neste momento, ainda não sabemos o que a Pátria, sempre ingrata, reservará à preservação da sua memória. Contudo, o seu nome e feitos há muito que fazem parte da História e da memória das nossas gentes.

José de Carvalho in Público

Veja-se a citação anterior, retirada de um artigo de opinião de José Carvalho no Público. Escolhi esta frase não por concordar com o mote do artigo (que exclama a glorificação do falecido militar) mas porque, talvez involuntariamente, reflete bem o que de facto de passa. Marcelino da Mata faz parte da nossa História, certo, mas a nossa concordância com essa mesma memória é o que influencia a corrente opinião sobre as suas ações. As diferentes interpretações do passado são, em última instância, o que dita as nossas posições no presente. Não consigo deixar de comparar esta polémica à da vandalização de estátuas, que aconteceu no ano passado. Também aí a razão da discórdia estava profundamente relacionada com a diferença de contextos e com a forma como esses contextos são encarados à luz da atualidade.

"É tempo de se falar sobre estas história de forma muito pragmática e analítica. O colonialismo foi algo hediondo e Marcelino da Mata é fruto disso e os comandos são fruto de um regime que massacrou pessoas durante mais de 500 anos".


"Não se pode olhar para a história de África dessa altura com os olhos de hoje. Para avaliar Marcelino da Mata é preciso olhar a história de Portugal na Guiné e inseri-lo nesse contexto."

Sofia Palma Rodrigues, doutoranda em Pós-Colonialismos, in DN

A condenação do colonialismo não é consensual. Isto é bastante claro. E fica ainda mais claro quando há partidos que reivindicam luto nacional após a morte de tão polémica figura - e não, não me refiro àquele que já sabemos que gosta muito de capitalizar ódios.

Também é claro que, mesmo passados tantos anos, a Guerra do Ultramar e os atos que se ali praticaram são alvo de um desconcerto tal que originam coisas tão absurdas como uma petição para deportar Mamadou Ba. O que está aqui a acontecer é que um enorme grupo de cidadãos quer que seja discutida no Parlamento a possibilidade de expulsar de Portugal alguém que disse uma coisa com a qual não concordam. Nas entrelinhas podemos ainda ler que consideram inadmissível criticar quem matou indiscriminadamente em defesa do colonialismo. 

É óbvio que esta polémica irá esfumar-se como aconteceu a tantas outras. O que está longe de desaparecer é a nostalgia ingénua que deturpa a realidade dos factos. O descontentamento crescente vai continuar a motivar indignações absurdas, especialmente porque o absurdo está cada vez mais normalizado.

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Sobre mim

Sofia Craveiro. Jornalista por obra do acaso. Leitora e cronista nas horas vagas.

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