Centeno e os "abraços" em suspenso
Mário Centeno pôs ontem o lugar à disposição.
O “Ronaldo das Finanças” demite-se numa atmosfera que deixa muitas dúvidas quanto às motivações que o levam a sair, especialmente tendo em conta que escolhe o dia de apresentação do Orçamento Suplementar para virar as costas.
O Ministro que quebrou vários "recordes" elabora e revela um documento que não irá defender na Assembleia da República, passando a bola para as mãos do seu Secretário de Estado do Orçamento e futuro Ministro de Estado e das Finanças, João Leão. É no mínimo curiosa a escolha do timing e deixa no ar a ideia de um cansaço e mal estar governativo que se terá tornado incomportável.
O percurso de Centeno no Governo foi uma ascensão e queda digna de filme: começou aos tropeções, com uma figura desajeitada que não inspirava confiança - especialmente porque Bruxelas teimava em descredibilizar o seu trabalho e colocar dúvidas face às previsões de controlo do défice. Perante o sucesso da estratégia assente em cativações – que permitiu a Portugal sair do procedimento por défice excessivo – Centeno passou a entranhar as preferências dos Portugueses. E com mérito, sublinhe-se.
Foto: Mário Cruz/LUSA
Foi, em tempos que agora parecem longínquos, o terceiro político mais popular do país, logo após o Presidente da Republica e o Primeiro Ministro, de tal forma que se tornou um arquétipo de trunfo eleitoral até para a oposição (recorde-se que Rui Rio afirmou na campanha para as legislativas ter também o "seu" Centeno). O ministro tornou-se sinónimo de equilíbrio financeiro, consolidado com o primeiro superavit alcançado na história da democracia portuguesa.
No sistema financeiro não há azar, há inacção.
Mário Centeno, em entrevista ao jornal Público, julho de 2019
Após conseguir establizar a banca - nomeadamente em gestão de crises polémicas como a do Banif, Caixa Geral de Depósitos ou Novo Banco - Centeno é confrontado com uma força maior que o poder da carga fiscal: uma epidemia que faz a economia parar, obriga o Governo a abrir os cordões à bolsa para evitar o colapso e deita por terra as previsões de crescimento económico.
Como se isso não bastasse surge pelo meio a problemática da injeção planeada de 850 milhões no Novo Banco, feita aparentemente "à revelia" de António Costa. Esta alegada “falha de comunicação” entre o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças quase ditou o fim imediato do casamento, e nem a encenação das pazes feita em São Bento pôs fim às dúvidas quanto à continuidade nas Finanças. O ministro não saiu bem visto deste imbróglio - sobre o qual já me debrucei anteriormente - e era cada vez mais previsível que iria abandonar o executivo.
Assim, passados "1664 dias" como Ministro das Finanças e "912 dias" como presidente do Eurogrupo, Centeno não teve uma saída propriamente triunfal. Se antes António Costa o apresentava como o seu grande trunfo, agora parece tê-lo mantido à margem. Não falo apenas da polémica do Novo Banco, mas também do "paraministro" (António Costa Silva) com quem Centeno nunca falou (!) Tudo isto culmina numa demissão em plena crise pandémica. O Banco de Portugal aguarda? Costa não esclarece...
No fim de tudo o que ficámos realmente a saber? Apenas que os "abraços" terão de ficar para depois ...