Cegueira de um país
«Pior cego é aquele que não quer ver»
...ou alguma coisa parecida com isto, é o provérbio que melhor se adequa a Portugal neste momento. Acho hilariante que, no país onde impera a perplexidade perante as constantes mudanças de posição de Donald Trump, ou o escandaloso negacionismo de Bolsonaro, se observe um crescimento drástico do partido que procura agir como eles.
Foto: José Sena Goulão/LUSA
Segundo uma sondagem feita pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop) da Universidade Católica para o PÚBLICO/RTP (entre os dias 13 e 18 de Julho, com 1482 inquéritos válidos):
A subida do Chega destaca-se das demais oscilações. Trata-se de um partido que elegeu um deputado em Lisboa (...) e que nesta sondagem aparece com a dimensão eleitoral de partidos como o BE ou a CDU”. Os peritos lembram que “sondagens são sondagens” mas que os dados deste inquérito mostram inequivocamente que este é o partido que mais está a crescer nesta legislatura”.
Ou seja, mesmo perante as notícias sobre a ligação a pastores e líderes evangélicos, notícias que relatam que o partido defendeu, no programa eleitoral, o fim dos serviços públicos na educação e saúde, que integra grupos de extrema-direita (mas que negou ser de extrema-direita), que André Ventura falta a debates na Assembleia da República para fazer propaganda pelo país, que possui ligações a empresários poderosos (alguns dos quais ligados ao fornecimento de armas ao Estado), que o partido faz crescer a audiência com base em perfis falsos nas redes sociais, ainda há pessoas que acham que é uma opção a considerar para o país!? Já esperava que o partido crescesse assim que pusesse o pé na AR - a exposição mediática não podia senão favorecê-lo - mas confesso que não esperava um crescimento tão expressivo num tão curto espaço de tempo. Especialmente tendo em conta que caímos numa crise pandémica para a qual Ventura nunca deu contributo algum.
Não compreendo como, perante estas evidências, muitos ainda consideram que "ele diz o que ninguém quer dizer". Se o discuro político do Chega é tão "fácil de compreender" então é porque é construído sem complexidade e profundidade.
A "simplicidade" das afirmações é feita com base na omissão de pormenores relevantes. É fácil dizer o que a população quer ouvir, quando se omite as condicionantes a que a concretização dessas propostas obrigaria.
Política não é simples. Democracia muito menos. Fazer e apresentar as propostas de modo descomplexo e redutor é, pura e simplesmente, desconsiderar universos que não podem ser desconsiderados quando se vive numa sociedade justa e plural. Simplificar é reduzir. Reduzir é limitar. Ponto final.